viernes, 30 de marzo de 2007

Entrevista: David Miliband, ministro do Meio Ambiente da Grã-Bretanha




Ricardo Westin
ENVIADO ESPECIAL
LONDRES

O ministro do Meio Ambiente da Grã-Bretanha, David Miliband, virou notícia no Brasil no final do ano passado depois que a imprensa inglesa informou que ele seria defensor de um plano de internacionalização da Amazônia. Diante da repercussão mundial, ele se viu obrigado a enviar uma nota ao governo brasileiro desmentindo toda a história.

Miliband, na realidade, tem idéias melhores para o planeta. Há duas semanas apresentou um projeto de lei que obriga a Grã-Bretanha a reduzir em 60% até 2050 suas emissões de gases do efeito estufa, os responsáveis pelo aquecimento do planeta. Pelo texto, os governantes podem ser processados se não cumprirem as metas ao longo dos anos.

O ministro recebeu o Estado em seu gabinete, em Londres, na quinta-feira passada. Ele ainda estava irritado com um tablóide que informou que sua casa não tem bom isolamento e permite que o calor escape para o exterior. Esse problema é comum nas casas inglesas e representam um alto custo ambiental. A energia que alimenta os aquecedores vem do carvão, que libera gases do efeito estufa.

“Não sou um santo, mas tento ser menos que um pecador”, disse ele. “Esta noite, por exemplo, vou de trem para casa, como faço freqüentemente. A energia da minha casa vem do vento, não do carvão. Isso não sai no jornal.” A seguir trechos da entrevista.

Por que o governo britânico quer uma meta tão ousada na redução da emissão de gases-estufa?
Por duas razões. Em primeiro lugar, porque é economicamente vantajoso termos um estilo de vida e tecnologias que emitam pouco carbono. Depois, porque a mudança do clima é um problema mundial. É essencial que os países ricos, os responsáveis pela maior parte das emissões de gases nos últimos 150 anos, assumam a liderança. Além disso, somente com metas de longo prazo conseguiremos dar a segurança necessária para que os negociadores invistam. E metas de longo prazo garantem o tempo necessário para fazermos a engenharia de adaptação à nova realidade.

Como a Grã-Bretanha pretende alcançar a meta?
Em primeiro lugar, aumentando o uso de energia elétrica renovável. Atualmente, apenas 4% da nossa energia é renovável. Dependemos, em grande escala, do carvão e do gás, além de termos a energia nuclear. Em segundo lugar, com uma melhor regulação dos sistemas de aquecimento das casas e dos prédios, para diminuir o consumo de energia. Em terceiro lugar, reduzindo os gases-estufa emitidos pelos carros. Queremos fazer mais ou menos como o Brasil, que há 25 ou 30 anos começou a fabricar carros a álcool.

No Brasil, tem-se falado na oposição entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental...
Rejeitamos totalmente essa idéia. O Relatório Stern (feito no ano passado pelo economista Nicholas Stern a pedido do governo britânico) mostra que a prevenção da mudança climática vai custar 1% do PIB mundial até 2050, enquanto o custo que virá da mudança climática vai ser de pelo menos 5%. É mais caro continuarmos como estamos. É importante reconhecer que a verdadeira oposição é entre liberação de muito carbono e liberação de pouco carbono, e não entre economia e ambiente.

Quanto a Grã-Bretanha deve gastar para reduzir suas emissões de carbono?
Ainda não chegamos a um valor, mas haverá dinheiro do governo, investimentos privados e decisões da sociedade em geral. Incentivaremos as pessoas a comprar carros que liberem menos carbono. Os impostos cobrados da sociedade irão variar conforme as decisões ambientais de cada um.

O que o sr. pensa do mercado internacional de carbono, por meio do qual os países pobres recebem dinheiro para diminuir suas emissões de carbono, “anulando” assim as emissões dos ricos?
É um modo importante de ajudar o ambiente e o desenvolvimento dos países pobres. Uma tonelada de carbono emitida em São Paulo é tão perigosa quanto uma tonelada em Southampton, no Reino Unido. Se conseguimos reduzir a emissão em São Paulo com investimentos europeus, isso é uma boa coisa. Mas obviamente não é suficiente.

Como o sr. reage à posição americana sobre o aquecimento global?
Não existe uma única posição americana. Há Estados e cidades que estão aderindo ao Protocolo de Kyoto (compromisso internacional de redução de gases-estufa). O que ocorre é que os senadores se recusaram a ratificar o protocolo, e o governo federal tem a mesma opinião. Seria muito importante se os Estados Unidos participassem dessa luta, já que é de lá que vem boa parte do carbono. Não podemos resolver esse problema sem os EUA.

Se os EUA não participarem, o problema nunca será resolvido?
Os Estados Unidos farão, sim, parte da luta. Não é uma questão de “se”, mas apenas de “quando”.

O primeiro-ministro Tony Blair está fazendo alguma coisa para convencer os EUA?
Obviamente troca informações, há discussões ocorrendo o tempo todo. Os EUA são um membro importante do G-8+5 (grupo formado pelos oito países mais desenvolvidos e pelos cinco pobres emergentes para buscar soluções para o aquecimento global), que terá uma reunião em junho e da qual o presidente do Brasil participará. Esperamos que os EUA participem de forma positiva.

Deveria também haver metas de redução para os países em desenvolvimento?
Sim, mas não as mesmas metas dos países ricos. É preciso que existam responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Comuns porque todos nós temos de fazer alguma coisa contra o aquecimento global, mas diferenciadas porque os países ricos têm de fazer muito mais.

A imprensa informou que o sr. queria um plano de privatização da Amazônia...
Este governo jamais sugeriu que a comunidade internacional deveria tirar o poder do Brasil. A Amazônia é uma parte significativa da cultura brasileira. A liderança do Brasil e dos Estados brasileiros na Amazônia é sacrossanta, vem sempre em primeiro lugar. O que dissemos é que queremos trabalhar com o Brasil para que os recursos da parte rica do mundo ajudem no desenvolvimento sustentável organizado pelo governo brasileiro.

O Brasil consegue conservar a Amazônia sozinho?
As autoridades brasileiras conseguiram reduzir em 50% o desmatamento, o que é um feito e tanto.

Como o Reino Unido está ajudando o Brasil?
Estamos trabalhando com o governo brasileiro nas negociações internacionais, tentando fazer com que a floresta tenha um lugar apropriado no mercado financeiro internacional.

O que o sr. pensa da ministra brasileira do Meio Ambiente?
Conheci Marina Silva em Nairóbi, no final do ano passado. Falei com ela, tivemos uma reunião bilateral. É uma mulher extremamente impressionante, uma líder muito inteligente e forte.

O Estado de S. Paulo, Brasil
25 de março de 2007

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